CARÁCTER DA VIDA
Segundo Garcia Morente em Fundamentos da Filosofia, o primeiro carácter que encontramos na vida é o da ocupação. Viver é ocupar-se; viver é fazer; viver é praticar.
É um por e tirar das coisas, é um mover-se daqui para ali. Porém, se olharmos com mais atenção, a ocupação com as coisas não é propriamente ocupação, mas preocupação. Preocupamo-nos, primeiramente, com o futuro, que não existe, para depois acabar sendo uma ocupação no presente que existe.
Pelo fato de escolhermos, de termos um propósito, tanto vil como altruísta, nossa vida é não-indiferença.
O animal, a pedra e o vegetal estão no mundo, mas são indiferentes.
O ser humano não, ele tem que vivenciar a sua vida.
A vida se interessa: primeiro, com ser, e segundo, com ser isto ou aquilo; interessa com existir e consistir.
O movimentar-se refere-se ao tempo.
Que é o tempo?
Santo Agostinho já nos dizia que se não lhe perguntassem saberia o que era, mas quando lhe perguntam já não o sabia mais.
Por isso, há que se considerar o tempo cronológico e tempo psicológico.
Em se tratando da vida, temos de considerar o tempo psicológico, ou seja, considerar o presente como um "futuro sido".
No tempo astronómico, o presente é o resultado do passado. O passado é germe do presente, mas o tempo vital, o tempo existencial em que consiste a vida, é um tempo no qual aquilo que vai ser está antes daquilo que é, aquilo que vai ser traz aquilo que é.
O presente é um "sido" do futuro; é um "futuro sido". (1970, p. 308 a 311)
A vida foi nos dada, mas não nos foi dada feita.
Ela precisa ser construída.
Para que possamos construi-la, temos que lhe dar sentido e valor.
A moral reveste-se de transcendental importância, pois irá determinar todos os nossos actos.
Por isso, a moral não pode ser uma imposição social, mas património inalienável do espírito.
O que fazer é luta, é garra, é movimentar-se.
O que fazer, que é individual, não pode perder de vista o fim total.
Deve estar envolto com a cosmo visão transcendental da própria vida. Saber não é erudição: saber é saber ater-se.
Ortega y Gasset diz que o eu não é apenas eu, mas eu e minhas circunstâncias.
Para ele a vida não é teoria, mas realidade.
A realidade é tudo que se nos oferece tanto aos olhos físicos como aos olhos espirituais.
São os nossos sonhos acordados, os nossos devaneios, a comida que ingerimos, a televisão que assistimos etc.
A vida é sempre a nossa vida.
Embora devamos respeitar a vida dos outros e não que sejamos o mais importante dos mortais, a vida é sempre a nossa vida, porque é através de nossas próprias lentes que conseguimos ver o "eu", o "outro" e o "nós".
Assim, faz muita diferença olhar o mundo sem defesas, sem melindres e sem segundas intenções.
A vida existe, mas pode não ser vivida.
É a indiferença.
A pedra, o vegetal, o animal existem, mas são indiferentes. O homem, ao contrário, tem que actualizar a essência e o faz na existência.
A actualização envolve a construção do seu destino.
Por isso, a contradição entre livre-arbítrio e determinismo.
A actuação do homem pressupõe escolha.
Escolher é seleccionar, é buscar alternativas, é construir. Nesse sentido, a formação de princípios éticos muito contribuirá para uma boa escolha de nossas acções.
Para J. P. Sartre, o indivíduo só vê angústia e desespero. A vida acaba com a morte.
O ser é um projecto que se aniquila com a morte.
Diz ele que a existência precede a essência.
O homem é um ser fáctico e nada mais.
Para o Espiritismo, cada um de nós é um ser que extrapola tempo e espaço. O fato social em que nos deparamos tem uma dimensão cósmica. Somos o resultado de todas as nossas pretéritas encarnações.
Uma essência pode se comunicar com outra essência.
Em se tratando da Doutrina Espírita, podemos comparar analogicamente a essência (da filosofia), com o conceito de Espírito, anotado por Allan Kardec, na pergunta n.º 23 de "O Livro dos Espíritos" - Que é o Espírito?
Resposta - Princípio inteligente do Universo. Para alguns filósofos, como Husserl, a essência não pode ser considerada isoladamente. Ela deve estar relacionada com a existência.
Para o Espiritismo, o Espírito manifesta-se através do perispírito.
Na mediunidade temos o exemplo de que uma essência pode se manifestar à outra por intermédio de uma outra. Allan Kardec, em O Livro dos Médiuns, mostra-nos que o Espírito do médium pode comunicar-se através do próprio médium. É a essência transmitindo através da própria essência.
Por que uma essência pura se contamina?
Por que existe a doença?
Por que as dores e os sofrimentos de toda a espécie? Por que as crises?
Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, analisando o problema da idiotia e da loucura deixa-nos claro que tanto uma como a outra são limitações da matéria e não da essência, que mantém a sua pureza intacta.
A comunicação mediúnica dos internados das "Casas André Luiz", que abriga portadores de deficiências físicas e mentais, mostrou que por detrás da deficiência orgânica há um Espírito lúcido em sua manifestação.
Por aí, vemos que as doenças são limitações do corpo físico e não do Espírito. Não são poucos os Espíritos, uma vez desencarnado, que voltam a ter a sua procedência normal.
Diante do exposto, devemos estar inteiros naquilo que estivermos fazendo. Todos os nossos actos, para se tornarem autónomos, devem ter um livre consentimento de nossa vontade e de nossa actividade. A autonomia da vida é seguir os ditames de nossa vocação. Não a vocação das profissões, mas aquela determinação que está dentro de cada um de nós. Em outras palavras, deve haver concordância entre a nossa vontade e a do Criador.
7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
GARCIA MORENTE, M. Fundamentos de Filosofia - Lições Preliminares. 4. ed., São Paulo, Mestre Jou, 1970.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. São Paulo, FEESP, 1972.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns ou Guia dos Médiuns e dos Doutrinadores. São Paulo, Lake, s. d. p.
LALANDE, A. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 1993.
LEGRAND, G. Dicionário de Filosofia. Lisboa, Edições 70, 1982.
MORAIS, R. Stress Existencial e o Sentido da Vida. São Paulo, Loyola, 1997.
SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965.
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